31/03/2009

Hot Curl, o princípio.

Bem vindos a mais um novo capítulo de Back to the Singlefins.

Particularmente, a cena mais dramática e a mais misteriosa no mundo do surf, foi no final da década de 30 até a metade da década de 50, onde um punhado de homens vivenciaram uma cena que poucos conheciam e que foi de suma importância para o desenvolvimento do esporte em ondas grandes. Homens bravos com coragem e companheirismo na alma fizeram a história acontecer, a história contada e gozada por poucos, são os chamados Hotcurlers.

Na década de 40, as típicas pranchas hawaiianas eram tábuas planas de madeiras de redwoods e balsa, medindo entre 10 a 12 pés, rabeta larga e quadrada, e sem nenhuma quilha ou estabilizadores para segurar a rabeta na onda, principalmente em ondas grandes. O termo usado para esse acontecimento era chamado de “slide ass”, explicando que quando a prancha desgarrava da onda, o surfista era jogado de sua prancha caindo de bunda na água.


California. 1948. Palos Verdes Cove.



Wally Froiseth, John Kelly, Rabbit Kekai, Woody Brown, Fran Heath, George Downing, Henry Preece já sabiam como shapear as suas, mas mesmo assim não sabiam como estabilizá-las em ondas grandes. Particularmente em um dia, mais precisamente no ano de 1937, John Kelly e Wally Froiseth voltaram de um surf grande e perfeito em Brown’s. Intrigados pelo fato de não terem conseguido surfar direito devido suas pranchas ficarem sempre deslizando suas rabetas, Kelly se irritou e pegou seu machado acertando a rabeta de sua prancha, ocasionando um formato “V” no fundo dela. Ficou surpreso com o formato indesejado, mas interessante. Voltou ao mar e testou-a, incrivelmente ele tinha o total controle sobre ela, não ocasionando o singular “slide ass”. Depois deste descobrimento, Kelly e seus companheiros começaram a projetar pranchões maciços de madeiras de redwood aproximadamente de 12 pés chamados de Hotcurl.



Rabbit Kekai fazendo um pouco de estilo sobre uma Hot Curl.

Rabbit fez história sob essas pranchas após pegar um tubo botando um pé no bico da prancha, algo de extrema habilidade que na época era uma proesa quase impossível e inimaginável de fazer.


Mas por que o nome “Hot Curl”? Simples. Era a única prancha que habilitava o surfista a ficar na parte mais crítica da onda, onde tinha mais força e tensão. Era mais uma porta aberta para o mundo de ondas grandes.
Apesar de Tom Blake ter inventado a quilha alguns anos antes, ninguém ainda as usava, demorando quase uma década para entrar na cena. Ele testou a sua primeira quilha em uma de suas paddle boards de 14 pés, mas Wally e os outros hotcurlers não tinham o maior respeito por essas pranchas ocas e seus estabilizadores, porque não podiam ser surfadas em ondas maiores de 8 pés, pois eram muito leves e atrapalhadas.



Esqueleto de uma Tom Blake's Paddle Board.


Wally exclama em uma de suas entrevistas, “As pranchas ocas ficavam incontroláveis. Nós não tínhamos o maior respeito por elas, e também nós não tínhamos nenhum interesse com as quilhas. Por que a gente queria uma quilha nas nossas pranchas? Não era preciso. O que era verdade, pois as nossas hotcurls já faziam todo o trabalho”.



Wally Froiseth.


Woody completa, “As hotcurls já estavam lá quando cheguei às ilhas. Então eu aprendi a shapear a minha igual a deles, porque a minha anterior deslizava a rabeta. Você não podia surfar ondas grandes sem o V bottom na prancha, e eu gostava das ondas grandes. Então fui obrigado a botar o V na minha. Wally me ajudou e eu fui aperfeiçoando cada vez mais, porque o meu interesse era velocidade ao contrario dele que apenas gostava de ficar no lugar crítico da onda.”



Wally Froiseth, Buzzy Trent & Woody Brown.

1953, os últimos vestígios das pranchas Hotcurls.

“Tudo bem, mas quando você tem uma parede extensa a ser ultrapassada, o objetivo é pegar velocidade. Minha ‘prancha’ tinha 12 pés e pesava 36 kg, mas rapaz, quando aquela coisa dropava na onda, você tinha que se segurar para não cair dela de tão rápida. Você dropava tão rápido, o que era bom quando você tinha que atravessar meia milha de onda. A prancha foi feita com uma câmara de redwood de 3 polegadas, rabeta de fundo “V”, e bordas finas de vários tipos de madeiras. O bico e a rabeta era feitos de carvalho.”


John Kelly. Atualmente na praia de Haleiwa.

Ciclos Hawaiianos

Olá. Bem vindos à outra publicação do Back to Singlefins.

Retirado e traduzido do blog Legendary Surfers, uma das conversas que mais admiro com Woody Brown sobre seu tempo de big rider na costa sul e oeste de Oahu. Um diálogo que transmite a intensidade de como era ser um dos poucos big riders da década de 30, logo após o renascimento do surf.

A nova era do surf em ondas grandes começou nos anos 30, na costa Sul, Oeste e Norte da ilha de Oahu. Mal faziam três décadas do renascimento do esporte quando Woody chegou às ilhas. Nesta época, o epicentro do surf ainda consistia a praia de Waikiki.


Nativo. Diamond Head ao fundo. Anos 20.

- Mencionado que ambos, Duke Kahanamoku e Tom Blake, haviam dito e escrito que a praia de Waikiki em certas ocasiões chegava a dias excepcionais que era muito raro. Era verdade?

Tom Blake e Duke Kahanamoku.


- Oh, - Woody exclama - claro que sim! Meu Deus, as ondas quebravam em uma só arrebentação antes de alguém conseguir chegar lá. Ocorreu que teve um ano que estava quebrando tão grande, que a costa inteira fechou pelos espumeiros e o horizonte não tinha meio de visualizá-lo. As ondas do Porto de Honolulu estavam quebrando nos incríveis 30 pés. Então, os pioneiros de ondas grandes, que já eram poucos esses loucos, subiram para Black Point onde tem um penhasco de pedra que desce até o mar. As águas do pé deste penhasco eram fundas fazendo com que as ondas não quebrassem ao encontro das pedras. Os pioneiros jogavam as pranchas lá de cima e mergulhavam, e então remaram até chegarem à frente da praia de Waikiki, provavelmente uma milha de distancia da areia. A arrebentação como havia dito era só uma, limitando apenas em uma tentativa. Mas eles não se importavam muito, apenas apertavam as mãos dizendo, “OK, em caso de a gente não se ver mais...”. Faziam isso e dropavam as ondas ou levavam uma tremenda vaca fazendo com que eles nadassem o caminho todo até a praia. Eu conto a vocês, falo sobre coragem.


Makaha. 1953.


- Você estava mencionando Wally Froiseth, John Kelly e Fran Heath?

- Eles eram um dos principais – Woody relembra –, vamos ver, também havia Rus Takaki – um garoto japonês-, e um garoto coreano que esqueci o nome, mas eram os principais que eram capazes de remar essa distancia toda quando o mar estava daquele jeito. Ninguém mais tinha o pensamento de ir se juntar. Eles acharam todos os lugares que quebravam ondas grandes em torno de Oahu, antes de eu ser um dos primeiros a surfar no North Shore por volta de 1940. Parecia que o surf nos anos 30 era maior. O ciclo mundial muda. O surf começa a ficar grande em diferentes partes do mundo por causa deles. Nós não éramos civilizados o suficiente para deixar gravados esses ciclos, talvez de até 100 anos. A gente não sabe.


Os hot curlers
Fran Heath, John Kelly & Wally Froiseth.


- Você não acha que as pessoas se acostumaram com o tamanho?

- Não, oh não, não. As ondas eram maiores. Como havia dito os barcos não conseguiam chegar perto do Porto de Honolulu. Eu nunca mais vi disso nos últimos 50 anos que estou nas Ilhas. Esses dias excepcionais eram em torno de 1930. Quando íamos ao mar de Castles, as ondas eram 25 pés, onde não quebravam ondas menores de 10 pés. Atualmente, quando o meu amigo Wally Froiseth relembra, “Então Woody, não tem mais daqueles dias, hein!”. Não ocorre mais isso por alguma razão maior. Como eu digo, em minha opinião são os ciclos. Tem todo o tipo de ciclos que nós estamos começando a entender...


Wally Froiseth. Makaha, 1953.

09/03/2009

Woody Brown, um ídolo, um anjo

Eu, como poucos, admiro e estudo a vida dos watermen da velha guarda. Através de leituras e biografias traduzidas, vídeos e reportagens raras de suma importância, com o tempo que você vai se aprofundando no assunto, mais exótico e dramático se torna a vida desses homens que fizeram historia apenas saindo da alienação da sociedade Norte Americana. Woody Brown falecido ano passado, aos 96 anos de idade, foi um dos últimos homens que descobri e foi um dos que mais me chamou a atenção, no sentido da humildade e experiência que teve em vários capítulos de sua vida, que foi, resumidamente não satisfatório à mim, assim:



Woodbridge Parker Brown nasceu em 1912 em Nova York, um filho de uma respeitosa família. Em seus anos de adolescência apaixonou-se por aviação largando a escola aos 16 anos de idade. Começou à freqüentar o Aeroporto de Curts em Long Island, Nova York, dormindo em hangares fazendo de tudo para ficar perto de sua paixão. Logo cedo, abandonou os aviões mecânicos quando descobriu os planadores. Durante seus dias de planagem, Woody se casou com uma inglesa independente e esperta chamada Elizabeth Sellon. Dirigindo para La Jolla - California, rebocando seu planador, o casal deixou Nova York em 1935.

Lá, ele conseguiu um rendimento o bastante para sustentar sua dedicação à planagem, com isso, ele foi o primeiro à lançar um planador do penhasco em La Jolla, que mais tarde tornou “Torrey Pines Glider Port”. Além de sua paixão de voar, começou a surfar em La Jolla, onde se tornou o primeiro surfista da praia, com sua prancha oca de madeira de 10 pés (3 metros).

Em 1939, com sua mulher grávida, foi convidado à participar de um grande encontro dos Planadores no Texas. Pegando seu planador Thunder Bird em La Jolla, Woody planou por 263 milhas, passando 3 estados até chegar em Texas. Batendo o recorde nacional e mundial de altitude, de distância, de tempo de vôo nas alturas e objetivo de vôo em um planador. Chegou a receber um telegrama de parabéns do presidente da repúbilca dos EUA, Herbert Hoover.




Ao voltar para casa, sua esposa falece no parto de seu filho, “Eu desabei, não conseguia surfar, não conseguia voar, eu estava morrendo” diz. Largando tudo, Woody foi para Oahu, Hawaii, e por causa da Segunda Guerra Mundial, foi obrigado a ficar na ilha não conseguindo completar seu destino, que era Tahiti. Na ilha, descobriu as ondas grandes e perfeitas que lá quebravam, conhecendo os locais Wally Froiseth, John Kelly e Fran Heat.

Na década de 40, Woody se casa pela segunda vez, com uma hawaina que foi apelidada pelos surfistas de “Ma” Brown. Não sendo apenas surfistas de ondas grandes, mas também exploradores, exploraram principalmente a costa norte (North Shore) de Oahu onde mais tarde ficou o centro mundial do surf.

Em 22 de dezembro de 1943, Woody junto com seu amigo Dickie Cross de 17 anos, foram surfar em Sunset Beach em uma tempestade crescente, “nós não sabíamos que iria transformar num Inferno, eu apenas fui no North Shore 4 ou 5 vezes” admite. Com as ondas passando de 20 pés, os dois são obrigados à remar para águas profundas com o objetivo de não serem pegos pelas ondas, remando 3 km até chegar na baía de Waimea , os dois pensaram que lá estariam seguros. Dickie após tentar sair remando em uma onda, perde sua prancha e fica a nado, logo após Woody também perde a sua. Com sua experiência, Woody propositalmente, foi jogado pelas ondas conseguindo chegar à praia pelado onde um pessoal do exército estava esperando os dois na areia. Soldados relatam que as ondas passavam dos 60 pés e que o garoto (Dickie) tentou pegar jacarézinho para se safar, mas na primeira tentativa ele desaparece e nunca mais foi visto.



Depois desse dia, Woody se muda para Christmas, onde viu uma canoa hawaiana repousada, com o designe desta canoa, ele criou um veleiro de dois cascos, conhecido hoje como Catamarã. Sua descoberta entrou no livro dos records por ser o veleiro (38 pés) mais rápido do mundo, por conseguir grandes velocidades como 20 nós. Isso fez com que seus veleiros entrassem nos negócios pela sua vida inteira.

Na década de 80, Woody se muda para Maui e converte-se para Bíblia, onde escreveu livros como “The Gospel Of Love” e “A Revelation Of The Second Coming”.
Em 1986 sua segunda mulher morre de diabete. Magoado, Woody vai para Filipinas com o objetivo de encontrar a próxima esposa. Se casa pela terceira vez, com uma filipina chamada Macrene, 30 anos. Os dois tiveram dois filhos e se mudaram de novo para Maui, aonde ele veio a falecer em 16 de abril de 2008, aos 96 anos de idade.


“Eu tenho que admitir, eu vivi na melhor época. Eu não poderia ter tido uma vida melhor, quer dizer, eu tive sorte. Eu voei na época mais romântica, onde cada decolagem era uma experiência nova. Com o Surf a mesma coisa, surfei as grandes ondas, ganhei um pequeno respeito... sabe, com as pessoas. Eu sou apenas um sortudo. Eu presenciei o velho povo hawaiano e o jeito que viviam. Eu peguei a ponta final do verdadeiro Hawaii. Estou agradecido e apreciado por tudo isso” se emociona Brown.

Surfou até os seus 91 anos de idade, parou por questão de saúde. Fascinado pela velocidade, Woody foi um grande surfista, velejador e planador do século XX e XXI, sempre querendo aperfeiçoar seu trabalho e que ao mesmo tempo foi a sua paixão. Ele estará no coração de quem sempre o adorou e se inspirou.


Uma das pranchas Hot Curl que Woody usou em sua vida.

03/03/2009

A história é o Hawaii

A história é o Hawaii em si: no começo do século passado, um pequeno número de americanos da alta sociedade se sentiu cansado das grandes cidades e de toda sua tecnologia, fazendo com que começassem a voltar à vida simples nas ilhas mais isoladas do mundo: Hawaii. Em poucos anos viraram o principal resort dos americanos.


Para acomodar o crescente fluxo de visitantes, foi preciso construir uma cidade totalmente voltada ao turismo na praia de Waikiki, costa sul da ilha de Oahu. Ao chegarem pela primeira vez em Waikiki, turistas americanos eram recebidos com uma calorosa experiência exótica de ukeleles havaianos, colares de flores e danças hula-hula. Nenhum lugar do mundo era igual como este, tendo água do mar a 25º C o ano todo, sempre quente o suficiente para nadar. Em 1910, Waikiki foi o epicentro de influências de uma sociedade com grandes atitudes, tempo de prazer e muitas distrações, trazendo uma combinação de estado de nirvana onde as férias eram realmente divertidas, e a praia era o lugar certo de encontro.


Foi dessa cena que um grupo de havaianos nativos, garotos de praia, emergiu e desbravou uma das culturas mais importantes e contagiantes do século XX: o surf. Ninguém podia representar melhor o estilo de vida havaiano em Waikiki do que os Beach Boys, homens que viviam e trabalhavam a vida inteira nas praias. Homens como Rabbit Kekai, que foi o pai do estilo moderno hot dog no surf (fazer manobras sobre a prancha), Squeeze Kamana como o melhor solista de ukelele de todos os tempos e Duke Kahanamoku que foi batizado como o pai do surf moderno.


Os Beach Boys reunidos após décadas e décadas de seu surgimento.



Cristãos missionários que chegaram ao Hawaii, no final de 1820, sentiram que o tradicional esporte era uma blasfêmia pelo fato dos praticantes surfarem pelados sobre o mar. Alguns dos nativos ainda resistiam e surfavam no final do século XIX sendo que um deles era Duke Kahanamoku, um havaiano de total sangue azul.


Tom Blake e Duke.



Em 1900 o surf quase desapareceu das ilhas exceto em alguns locais, onde um punhado de amigos de Duke, junto a ele, se atreviam a entrar no mar. Duke bateu muitos recordes ao longo de sua vida, como: abriu uma escola de natação para os havaianos em 1911, quando todas as escolas eram voltadas somente para os “brancos”, continuou a falar a língua nativa até o final de sua vida e conheceu os grandes surfistas de todos os tempos. Em 1912 bateu quatro recordes de natação recebendo três medalhas olímpicas e fez várias demonstrações de surf em volta do globo. Não importa o quanto de surfista pôde existir, nunca haverá um como Duke.


Duke (último a direita) e seus irmãos.



Voltando ao Hawaii, os Beach Boys de Waikiki ganharam fama, afeição e notabilidade pelo fato de serem uma “bolha” de variedade de diversão. Lendárias festas dos garotos da praia fizeram sucesso no século XX no hotel Moana, onde 24 horas por dia eles incansavelmente tocavam seus ukeleles, serviam grandes coquetéis e cantavam musicas havaianas. Os nativos faziam a imagem dos Beach Boys representando como eles realmente eram e o resto do pessoal era visto como um reflexo de como deveriam ser. Para aqueles que perdiam a nacionalidade geográfica e se introduziam na vida nativa das ilhas, onde eram forçados a viver sob o sol, mar e areia, os Beach Boys eram tudo aquilo com atitude, fazendo com grande inspiração a vida boa!


Apesar de reviverem o esporte dos reis, concretizando seu contexto cultural, eles eram os principais a bater inúmeros recordes de natação, inventando também, as canoas Outtiggers, e foram simbolizados como o que havia de melhor no Hawaii. Sobrevivendo a onda capitalista que veio das Américas, o povo havaiano manteve sua dignidade. Não importa quem vinha para o Hawaii, eles eram calorosos, companheiros, atentos... os garotos da praia só vieram para fazer a história acontecer. Sem eles o surf não iria sobreviver a disseminação havaiana. A lenda é a história de Waikiki em si, inspirando geração após geração...


Alguns dos Beach Boys sobre as canoas Outtiggers na frente do luxuoso hotel Moana.


Turistas prontas para receberem demonstrações de surf.



Vídeos sobre os Beach Boys no site do youtube: Riding Giants, Surfing Waikiki, Early Surf Days, Waikiki - Traditional Hawaiian Surfing & native Life 1920s.